sexta-feira
15 de novembro
1889
Na manhã de sexta-feira, dia 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República em território brasileiro por meio de um golpe comandado por um grupo de militares, sob liderança do marechal Deodoro da Fonseca. Não havia, no entanto, no meio militar, uma unidade de ação ou consenso, e, apesar do expressivo número de civis que se posicionavam politicamente como republicanos, estes não participaram do evento de forma efetiva.
Por mais que a monarquia brasileira estivesse em desprestígio por uma série de fatores, como as repetidas eleições fraudulentas, as reações militares após a Guerra do Paraguai, a abolição da escravidão (1888) e a resistência do governo imperial em implantar reformas desejadas, a instauração de um novo regime aconteceu de forma súbita para grande parte da população, não contando com um plano político-institucional a ser seguido. Faltou ao Brasil, após o 15 de novembro, uma “resposta institucional a respeito de si mesmo” (LESSA, 1999, p.70). O Império terminava e a República se instaurava em meio a incertezas, em busca de legitimação e consolidação para seu funcionamento.
Esse sentimento de surpresa pode ser observado em muitas das coberturas realizadas pelos jornais, principalmente os do Rio de Janeiro, então capital do Brasil e local da proclamação. No próprio dia 15 de novembro, por ser vespertina, a Gazeta da Tarde (RJ) apresentou na lateral esquerda da primeira página, um espaço privilegiado por ser comumente o início da leitura do jornal, duas colunas sobre o episódio. Com o título “O FUTURO DO BRAZIL”, o jornal enfatizava que o Estado entrava em uma nova fase através da “magna transformação”, contando com todas as consequências da “Liberdade” (com L maiúsculo). “Viva o Brazil! Viva a Democracia” Viva a Liberdade”. Esse discurso revela que o ideário de república era disseminado e visto com bons olhos por parte da elite carioca, principalmente devido às ideias positivistas que estavam em voga. A perspectiva era compartilhada pelo jornal carioca Cidade do Rio, de José do Patrocínio, que trazia como manchete “VIVA O EXERCITO LIBERTADOR” e toda uma narrativa do que havia acontecido na noite anterior e naquele dia pela manhã.
Em contraposição a estes periódicos, o jornal Novidades (RJ), ainda no mesmo dia, apresentou em colunas centrais o tema, sob um olhar temeroso pelo “grave acontecimento” que se dava pela chamada revolta no exército, resultando em uma “CRISE NACIONAL”. Descrevendo os boatos que corriam pelo povo e trazendo cenas detalhadas destes, o periódico retrata uma cidade que teve seu “movimento social paralysado” (na grafia de então), com o comércio fechado e as ruas mais frequentadas desertas, circulando o pânico “no ar e nas consciências”.
No dia seguinte, sábado, dia 16, o assunto já aparecia de maneira substancial nas primeiras páginas. O jornal A Provincia de S.Paulo (atual Estadão) apresentou uma primeira página totalmente direcionada à exaltação do novo regime de governo – e diferenciada em comparação com as demais. Com a primeira página em branco, somente com o dizer “VIVA A REPUBLICA” em caixa alta e negrito, o jornal se posicionava em meio ao debate que se instaurava pela relevância dada à notícia.
A Gazeta de Notícias (RJ), um dos mais importantes da época, também dedicou toda a página para tratar do assunto – embora o exemplar arquivado na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional esteja rasgado e remendado, talvez por ter sido consultado inúmeras vezes. Com ilustrações imponentes do líder positivista Benjamin Constant e do marechal Deodoro no centro-superior da página, o jornal de perfil liberal demonstrava o seu apoio à instauração da República. O discurso de proclamação foi publicado, seguido por uma narrativa do dia 15 de novembro como uma data que “vai ficar assignalada na historia”, com a perspectiva de ressaltar o “extraordinario movimento” que agitou a população que invadia as ruas e praças em busca do acontecido. A proclamação também foi compartilhada pelo O Paiz, na lateral esquerda da página. O jornal trouxe, na parte central, detalhes da sexta-feira. Com uma apresentação mais simpática ao governo que se instaurava, O Paiz dividiu a notícia em seções como “NO PAÇO DA CIDADE”, “GOVERNO PROVISORIO”, “A POLICIA”, “COMMERCIO E REPARTIÇÕES”, “NAS RUAS”, entre outras, a fim de construir um panorama de cada área envolvida. Diferente do Novidades, O Paiz destacou a ordem e a pacificidade do povo fluminense, proclamando a transformação do seu governo.
O Jornal do Recife, em comparação com o carioca Gazeta de Notícias, dedicou um pequeno espaço lateral para tratar do evento. Intitulando “Acontecimentos graves”, o periódico aborda com pesar a ação dos militares, através do que recebiam por meio de telegramas descritos no texto. É possível analisar a sua posição contrário à mudança de regime pelo seguinte trecho (transcrito na ortografia da época): “O governo legal do nosso paiz, as instituições, que juramos manter, o Imperador, sob cujo governo temos gosado longos annos de paz, de progresso moral e social, atravessam neste momento e na Côrte do Império uma dura prova”. Era nutrida a esperança das instituições reverterem a situação e o exército voltaria “à calma”.
Diferentemente dessas duas perspectivas, por mais que pudesse ser considerado um jornal de apoio à monarquia e de muito prestígio, o Jornal do Commercio apresentou na lateral esquerda da primeira página de sábado a notícia do dia anterior de uma forma mais informativa. Responsável por trazer as principais notícias que circulavam, sendo um dos jornais mais lidos da cidade, o JC evitou emitir opiniões sobre o tema. A notícia acompanhava detalhes dos acontecimentos em estilo telegráfico, como os horários e movimentações específicas, com o título simples de “Os acontecimentos de hontem”, sem estabelecer críticas diretas à instauração do regime republicano.
Em Portugal, a notícia começava a se espalhar por meio dos telegramas, que operavam desde 15 anos antes. Na primeira página do Commercio de Portugal, na parte inferior e com destaque de “IMPORTANTE”, o jornal relata a notícia contida em um telegrama enviado do Rio de Janeiro, no dia 15 de novembro às 2 hotas e 30 minutos da tarde, dizendo: “Republica proclamada sem conflicto” (em negrito). Sem muitos detalhes do que estava acontecendo em território brasileiro, principalmente na cidade carioca, o jornal surpreso diz aguardar novos esclarecimentos. Assim também relatava o Correio da Manhã, de Lisboa, com uma pequena notícia intitulada “REPUBLICA NO BRAZIL”. O jornal apresentou a notícia, mas com ressalvas de sua total credibilidade, principalmente pela figura do Imperador, “um homem que o Brazil todo admira e estima”. Diferentemente dos outros dois, o Jornal da Noite (Lisboa), dedicou a lateral esquerda às notícias com o título “Revolução no Brasil”. No entanto, também demonstrou ao longo do texto um certo descrédito à efetiva transformação divulgada até então pelos telegramas, criando hipóteses de que isso seria mais uma revolta local, efêmera e passageira. Como a História demonstrou, a suposição dos patrícios estava errada.
Créditos:
Texto: Ana Beatriz Camarinha
Edição: Pedro Aguiar
Veja também:
1964: Golpe militar contra João Goulart
Fontes:
CASTRO, Celso. A Proclamação da República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
DE FREITAS SILVA, Camila. O 15 de novembro na imprensa carioca. Revista Aedos, v. 3, n. 8, 2011.
GOMES, Angela de Castro; FERREIRA, Marieta de Moraes. “Primeira República: um balanço historiográfico”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, nº 4, 1989.
LESSA, Mônica Leite e FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito (org.), Imprensa, pensamento político e historiografia (1822 – 1889). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008.
LESSA, Renato. A invenção republicana: Campos Sales, as bases e a decadência da Primeira República brasileira. Rio de Janeiro: TopBooks, 2ª Ed., 1999.
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