sexta-feira

30 de janeiro

1948

 

O Globo (dia 30)

Na noite de 30 de janeiro de 1948, o principal líder do movimento pela independência da Índia, Mohandas Karamchand Gandhi, conhecido como “o mahatma” (a “grande alma” em sânscrito), foi morto a tiros por um membro do partido de direita Hindu Mahasabha, após uma reunião de oração em Délhi. A motivação alegada para o crime foi a postura assumida por Gandhi considerada como traição aos hindus por, supostamente, ser a favor da separação dos muçulmanos indianos e brando com o Paquistão, o novo país recém-formado pelas antigas regiões de maioria islâmica da Índia (ambos tinham ficado independentes da colonização britânica no ano anterior, 1947). O assassino, Nathuram Vinayak Godse, foi condenado à morte um ano após o assassinato, sendo executado em novembro de 1949. Um cúmplice seu, identificado como Narayan Apte, também foi condenado à morte e outros seis à prisão perpétua, segundo a BBC News Brasil (2022).

Como o crime aconteceu na noite do dia 30 na Índia, mais de dez horas à frente nos fusos horários do Brasil, deu tempo de sair nos jornais vespertinos do próprio dia 30, como O Globo (do Rio de Janeiro) e O Povo (de Fortaleza), citando agências de notícias como Reuters, Associated Press e United Press. Os jornais matutinos brasileiros só deram a notícia no dia seguinte, 31/1.

Na própria sexta-feira (30), o jornal cearense O Povo noticiou, em caráter “URGENTE” – como descrito nas primeiras frases do jornal em negrito – a morte de Gandhi, evidenciando que foi um assassinato e que o criminoso havia fugido, ainda na suposição de quem seria o “matador”. Podemos perceber pelo uso de algumas palavras como essa acima, ou a consideração de que pudesse ser “um extremista hindu, contrário à paz como os mulçumanos”, o tom de comoção que o jornal queria transmitir. 

No dia seguinte (31), muitos jornais cobriram esse fato que já estava em circulação em escala global. O Diário Carioca apresentou a notícia da morte de Gandhi em dois recortes na primeira página. Na lateral esquerda, um texto escrito por Danton Jobim, um dos modernizadores do jornalismo brasileiro, relatava a importância de Gandhi como “não apenas um líder, um condutor de povos, um reformador político, mas, sobretudo, um grande exemplar humano, um grande coração, que fez com que muitos acreditassem na centelha divina que bruxoleia no fundo das almas; um grande homem, afinal, que, não ilustra somente o seu país, mas honra e dignifica a própria espécie.” O texto de Jobim, dotado de uma linguagem mais poética e reflexiva, além da exaltação a Gandhi, se constrói dentro de uma lógica eurocêntrica, defendendo os ideais ingleses e a importância da Inglaterra – colonizadora, mas não descrita dessa forma – por seu “legado” que, segundo ele, estavam presentes na postura assumida pela vítima em sua vida e agência, que teria, então, fundido a cultura inglesa e da Índia.

No canto direito, o primeiro trecho da notícia – que continuaria ao longo de outra página – trouxe uma cobertura do assassinato com detalhes: “Uma bala penetrou-lhe no terço superior da coxa direita, outra no abdomem e a terceira no torax. Gandhi caiu imediatamente ao solo, colocando a mão na testa, no gesto hindu de perdão para o seu assassino.” 

A Folha da Manhã (jornal antecessor da Folha de S.Paulo) também noticiou o caso, garantindo quase a página inteira ao acontecimento. A manchete ressaltava a postura de Gandhi como “APOSTOLO DA NÃO-VIOLENCIA”. O texto era acompanhado de uma foto que demonstrava a simplicidade e postura serena do líder conhecido pela sua abnegação, contrastando com a violência sofrida por ele na noite anterior. O texto apresenta diversos detalhes como “as últimas palavras de Gandi” (nessa grafia, sem o H), o fato de ele ter pressentido a morte no dia anterior, além do discurso de Nehru que o denominava como o “Pai da Nação”. No meio da página, abaixo da foto do mahatma, podemos observar o “evangelho de Gandi”, com seus ensinamentos e os “mandamentos”. Na lateral esquerda, o jornal apresenta a repercussão do “assassinio” nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, contando com as mensagens de condolências dos líderes políticos e personalidades como arcebispos, e a homenagem da França.

A morte de Gandhi também foi noticiada pela Folha da Noite, vespertino do Grupo Folha, que contou com um título de alto de página, em destaque: “Milhões [em negrito, de corpo maior] de criaturas [em negrito, de corpo maior] choram, na India, a morte de Gandi”. A notícia com mais detalhes estava presente no final da primeira página, ressaltando a comoção de “TODA A INDIA” e a falta que o líder já fazia (“As ruas de Nova Delhi escuras e silenciosas”).

A notícia circulou não só em jornais brasileiros, como internacionalmente. Dentre esse cenário, o jornal norte-americano The New York Times separou uma coluna no canto direito para noticiar o acontecido, com um título que também contava com uma dramaticidade do contexto (“WORLD MOURNS”, ou “o mundo de luto”) e uma imagem de Gandhi com sua vestimenta costumeira e simples.

O jornal argentino Clarín, diferentemente dos demais apresentados, separou toda a primeira página para o assassinato de Gandhi, trasmitindo o luto vivido nesse momento (demonstrando a importância do ocorrido e da vítima em escala global). No centro da página, uma ilustração de Gandhi está presente, como se estivesse olhando para o leitor, com o mesmo olhar pacífico das outras imagens veiculadas em outros jornais.

Ainda na segunda-feira posterior (02), a morte de Gandhi ainda era manchete nos jornais. O Jornal do Brasil noticiou o funeral, que foi considerado um dos maiores da História em número de participantes.

Créditos:

Texto: Ana Beatriz Camarinha

Edição: Pedro Aguiar

 

Fontes:

BISWAS, Soutik. O mistério sobre o assassino de Gandhi, mais de 7 décadas depois. BBC News Brasil. 2022. <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60198196> Acessado em 17/01/2023.

MARTÍNEZ, Ángel. Quem matou Gandhi? O pedido de reabertura do caso reacende o debate sobre o autor intelectual de um dos maiores magnicídios da História. Bombaim: El País, 2018. <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/26/internacional/1527357026_776066.html> Acessado em 17/01/2023.

Diário da Tarde (Curitiba), 31 de janeiro de 1948. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/800074/74075
Diário de Notícias, 31 de janeiro de 1948. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_02/37174
Diário de Pernambuco, 31 de janeiro de 1948. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/029033_12/28790
O Estado de Santa Catarina, 31 de janeiro de 1948. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/884120/55895
O Estado de S.Paulo, 31 de janeiro de 1948. Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19480131-1-nac-0001-999-1-not
O Globo, 30 de janeiro de 1948. Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=194019480130
O Jornal, 31 de janeiro de 1948. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/110523_04/41999
Jornal do Commercio, 31 de janeiro de 1948. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_13/38938

1 Comentário

  1. andre

    olá meu nome é André e sou fã do blog de vocês seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigado

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