sexta-feira
28 de fevereiro
1986

 

Folha de S.Paulo
O Estado de S.Paulo
O Globo

No último dia de fevereiro de 1986, com o intuito de combater a crise inflacionária deixada pelo governo ditatorial e estabilizar a economia brasileira, José Sarney – primeiro presidente do período de redemocratização – lançou o Plano Cruzado, programa econômico baseado na substituição da moeda, cruzeiro pelo cruzado, e no congelamento de preços e salários.

O período conhecido como Milagre Econômico (entre 1969 e 1973) rendeu ao Brasil um importante crescimento na economia, com a taxa média anual do PIB chegando, e até ultrapassando, a 10%. No entanto, esse “milagre” da ditadura foi um avanço temporário, pois o Brasil sofreu com duas crises do petróleo em um período de 6 anos, elevando o valor do barril e, por isso, garantindo ao Brasil uma expressamente dívida externa. Nesse tempo de conflitos financeiros, a inflação crescia cerca de 40% ao ano, os produtos tinham seus preços elevados constantemente e o salário mínimo teve queda de 50% entre 1964 e 1985. Em consequência das crises, o governo ditatorial deixou uma inflação de 215% em relação ao ano antes de seu fim.

Com o fim do período militar, José Sarney assumiu a presidência no lugar de Tancredo Neves – eleito pelo colégio eleitoral, mas que morreu antes de tomar posse do cargo -, e tornou-se o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura. Sarney passou a governar um país em um grave descontrole inflacionário, com altas dívidas externas, preços de produtos altos e poder de compra em queda. A partir disso, o então presidente lançou em 1986 um conjunto de medidas financeiras, conhecido como Plano Cruzado e Plano Sarney, a fim de controlar a situação econômica. O plano se baseava no congelamento dos valores do mercado com a esperança de conter a inflação inercial, ou seja, quando os comerciantes aumentavam os preços prevendo uma possível crise, esse projeto criou os fiscais do Sarney – todos os brasileiros deveriam fiscalizar os preços e acionar caso houvesse remarcação. Além disso, os salários passaram por mudanças: o pacote previa apenas uma taxa média da inflação dos seis meses anteriores , mais um abono de 8% para salários em geral, e de 15% para o salário mínimo. Em tese, esses abonos garantiriam aos poucos o poder de compra dos brasileiros. No mais, a principal mudança desse plano foi a moeda: o cruzeiro saiu de circulação, dando lugar ao cruzado, que equivalia a 1 mil cruzeiros.

O cruzeiro tinha sido criado em 1942, na ditadura de Getúlio Vargas, em substituição ao antigo real (cujo plural, réis, era a forma como a moeda brasileira era conhecida desde o império). O nome foi escolhido como uma referência à constelação Cruzeiro do Sul, que está na bandeira brasileira e no brasão, e que só pode ser vista no hemisfério meridional. Na troca de 1986, a equipe de Sarney adaptou o nome da moeda para cruzado quase como um trocadilho, sem referência aos guerreiros cristãos medievais.

Diante de toda transformação no país, o fato se tornou uma importante notícia e estampou capas de jornais com grande relevância, como a Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, o Jornal do Brasil, a Tribuna da Imprensa e o argentino Clarín.

A Folha de S.Paulo deu bastante destaque à notícia sobre o novo pacote econômico. A manchete do dia, “Economia leva um choque”, foi acompanhada de um tópico com as cinco principais mudanças que o plano traria: 1. O cruzeiro perde três zeros e vira cruzado, 2. Acaba a correção, menos para cadernetas, 3. Congelados preços dos produtos no varejo, 4. Salário segue a inflação semestral média e 5. Aplicações só rendem os juros de mercado. Abaixo dos textos, há uma imagem de José Sarney ocupando quase todo o centro da folha, na foto mostra o presidente deixando Ribeirão Preto (SP) após uma reunião com empresários, políticos e trabalhadores. A seguir, uma parte da matéria sobre o assunto é dividida em seis colunas repartidas. Outras notícias são publicadas e, todas juntas, ocupam quatro colunas da página principal.

Em O Estado de S.Paulo, na manchete “O primeiro dia da guerra à inflação”, a palavra “guerra” tem relação ao uso das forças física e armada por policiais e pelos “fiscais de preços” no combate à inflação. Comprovando o título, uma imagem que mostra um confronto no Centro do Rio, no qual rajadas de metralhadoras são usadas para assustar os “fiscais do Sarney”, ocupa o espaço de quatro colunas abaixo da manchete. A primeira página do Estadão, com divisão de seis fileiras, garantiu grande espaço ao assunto, tendo cinco de suas seis chamadas  baseadas no novo pacote econômico. Na parte inferior do jornal há uma fotografia que mostra Sarney em uma reunião, na qual declara “guerra à inflação”.

O Jornal do Brasil, antigo periódico carioca, garantiu ao plano Sarney metade da primeira página. O assunto foi exposto de forma direta e sem metáforas com a manchete “Sarney lança o plano da inflação zero”, que foi acompanhada de um subtítulo evidenciando as medidas que seriam tomadas – “Todos os preços estão congelados, salário mínimo aumenta amanhã, cruzado substitui cruzeiro, caderneta dá 14,93% esse mês, poupança renderá por trimestre e ORNT deixa de ser reajustável”. A A ORNT era Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional, um antigo título da dívida pública usado como investimento na época da hiperinflação. Dividido em um espaço de quatro fileiras, um pequeno trecho sobre o pacote financeiro foi posto na parte superior da folha com indicação das páginas da matéria. Outras notícias, como o roubo de um cofre de banco do CTA, o ministro do trabalho da época, Almir Pazzianoto, anunciando que seria vice do PMDB e sobre o então governador fluminense, Leonel Brizola, que pregou no interior do país pedindo eleições diretas, ocuparam a outra metade da página. Além disso, uma falsa coluna está localizada no canto esquerdo com algumas chamadas sem ligação com o plano cruzado.

O também carioca Tribuna da Imprensa cedeu todo o espaço da primeira página para noticiar as mudanças na economia brasileira e recorreu a uma manchete metafórica para ilustrar a primeira página, com o título “Um dia de cão”. Em seguida, a ilustração de uma nota de Cr$ 100.000 (cem mil cruzeiros), que tinha efígie de Juscelino Kubitschek, com os últimos três zeros marcados por um “X” representa a conversão da moeda oficial do país. Assim como a Folha de S.Paulo, a Tribuna utilizou a estratégia de pontuar as medidas propostas em seis tópicos.

Até o insuspeito Jornal dos Sports, que normalmente não cobria economia, deu manchete e alto de página para o novo pacote econômico, sem confundir os leitores com o clube de futebol de Belo Horizonte, o Cruzeiro Esporte Clube – certamente, para alegria dos torcedores do Atlético Mineiro, que devem ter comemorado o fim do cruzeiro.

O argentino Clarín deu visibilidade ao assunto brasileiro por meio de uma tarja na parte inferior da página, com o título “Brasil: cambian la moneda y congelan precios y salarios.” – em português, “Brasil: mudam a moeda e congelam preços e salários.”. A manchete do dia referia-se à proposta de reeleição de Raúl Alfosin (presidente da Argentina entre 1983-1989) feita por seu partido, a UCR (União Cívica Radical), referida na Argentina como “radicalismo”. Abaixo dela há dois outros títulos de notícias referentes a, respectivamente, uma força de paz para que seria levada para Nicarágua, e a uma greve de pilotos que aconteceu no país. Ocupando o espaço de uma coluna na primeira página do jornal, tem uma fotografia de Mario Zodiaco, acusado de fazer parte da máfia italiana, com um pequeno trecho referente à matéria sobre a extradição do homem que estava preso em território argentino.

Créditos:

Texto: Ana Clara Nascimento

Edição: Pedro Aguiar

Fontes:

REIS,Thiago. Plano Cruzado: o que foi e qual era o objetivo desse plano econômico?. Suno. Disponível em: Plano cruzado: o que foi e qual era o objetivo desse plano econômico?, Acesso em: 24/02/2023

TONELLO, Márcia. Inflação descontrolada: entenda o que foi o Plano Cruzado. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/inflacao-descontrolada-entenda-o-que-foi-o-plano-cruzado/, acesso em: 24/02/2023

RIBEIRO, Weudson. Ditadura culpou clientes por inflação e sugeriu trocar tomate por pepino. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/06/06/como-a-ditadura-militar-culpou-comerciantes-e-clientes-pela-inflacao.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 24/02/2023

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