quinta-feira
1º de janeiro
1959
Os cariocas comemoram o réveillon com fogos de artifício na praia. Os nova-iorquinos celebram a virada com uma bola iluminada que cai de um prédio na Times Square. Pois naquela quinta-feira, 1º de janeiro de 1959, os havaneiros receberam a passagem de ano com tiros para o alto, à medida que entravam na capital de Cuba as tropas de Fidel Castro, Raúl Castro, Camilo Cienfuegos e do argentino Che Guevara. Era o triunfo da Revolução Cubana, que começara como uma pequena guerrilha na Sierra Maestra para derrubar a ditadura de Fulgencio Batista até, anos depois, implantar a primeira república socialista na América.
A vitória dos revolucionários cubanos saiu nos jornais brasileiros com algum atraso. Por causa do feriado de ano novo, vários jornais não circularam no dia 2 de janeiro, trazendo a notícia da revolução cubana apenas no dia 3, sábado (indicados na galeria abaixo). Vale lembrar que, por essa época, o telejornalismo no Brasil mal existia, e a população sabia das notícias de última hora pelo rádio.
Entre os que trouxeram a notícia da vitória de Fidel e seus companheiros já na sexta, dia 2/1, estava o Correio Paulistano, então centenário e um dos principais jornais de São Paulo, com a manchete “Forças dos revolucionários cubanos entraram em Havana”. Mas o meio da página era ocupado pela notícia do lançamento do foguete soviético que levava o Luna-1. Como era vespertino (saía no final da tarde), o carioca O Globo conseguiu cobrir a revolução cubana com mais detalhes já no dia 2, trazendo três fotos da agência Associated Press no topo da primeira página, com a manchete “Fogem em massa os partidários de Batista”.
A mesma vantagem ajudou a também vespertina Folha da Noite (embrião da Folha de S.Paulo), que no dia 2 pôde dar a manchete “Fidel Castro e Urrutia seguiram para Havana a fim de formarem o governo revolucionário”. O nome citado era Manuel Urrutia Lleó, o opositor civil de Batista que, embora sendo de direita, se juntou a Fidel para derrubar a ditadura, rompendo com ele sete meses depois.
O noticiário internacional naquele dia concorria com a crise de Berlim Ocidental, enclave na Alemanha Oriental sobre a qual o dirigente soviético Nikita Khruschov emitira um ultimato para que a cidade fosse desmilitarizada (sem tropas dos EUA, Reino Unido e França), e com o lançamento de um segundo satélite artificial soviético, o Luna-1, dois anos após o sucesso do Sputnik, de 1957. Na pauta nacional, a principal cobertura daquela semana era o acidente com um avião Scandia da VASP (Viação Aérea São Paulo) que tinha caído na baía de Guanabara no dia 30/12/1958, e o resgate dos corpos ainda era feito por mergulhadores da Marinha (conhecidos como “homens-rã”).
Vários outros grandes jornais da época só deram o fato da antevéspera no dia 3 de janeiro: Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Jornal, Diário Carioca, Diário de Notícias, Diário de Pernambuco e O Estado de S.Paulo.
O Jornal do Brasil, que vivia exatamente naquele momento a sua reforma gráfica e editorial que marcaria a modernização da imprensa brasileira. Um dos marcos dessa mudança foi, em 1958, a criação da editoria de Internacional, que seria chefiada pelo jornalista Newton Carlos, ex-correspondente do JB em Buenos Aires. Portanto, quando veio a revolução cubana, o jornal tinha acabado de se estruturar internamente para fazer uma cobertura do exterior com equipe dedicada. Mesmo assim, o JB preferiu dar mais destaque ao Luna-1 e colocar Cuba como submanchete, logo embaixo, em corpo ligeiramente menor.
O “órgão-líder dos Diários Associados”, O Jornal, no dia 3, preferiu dar manchete para o Luna-1 e deixou a revolução cubana embaixo, sem foto. Já o sisudo Jornal do Commercio carioca, do mesmo grupo, dividiu a atenção entre Cuba e o Luna-1, com espaços simétricos para os dois títulos de igual corpo em três colunas cada. O Estadão fez o mesmo, mas na horizontal, quebrando a manchete em duas, com ponto-e-vírgula e itálico. A conservadora Tribuna da Imprensa, do udenista Carlos Lacerda, encerrou a revolução num box à esquerda, com foto dos cubanos exilados no Rio comemorando. Sua grande rival, a Última Hora de Samuel Wainer, de linha progressista, deu foto do mesmo grupo e a manchete “Cuba: fuga espetacular de Batista com todos os membros do govêrno” (na acentuação vigente).
Uma mesma foto da AP apareceu em vários jornais e ficaria marcada na posteridade como uma das imagens mais emblemáticas da revolução cubana: era Fidel empunhando o fuzil, à frente de guerrilheiros uniformizados fazendo o mesmo, e tendo ao lado um companheiro de capacete erguendo o punho cerrado – um dos símbolos dos socialistas. Ela foi usada no Correio da Manhã, Diário de Notícias, Diário Carioca, Jornal do Dia (Porto Alegre), e, fora do Brasil, no Los Angeles Times e no Miami News, dos EUA, no Daily Express, do Reino Unido, e, com bastante destaque, no Vancouver Sun, do Canadá.
Outra foto da AP, mostrando as arcadas do Hotel Plaza, onde um cassino foi depredado, foi aproveitada nas primeiras páginas de vários jornais, do JB ao New York Times, Boston Globe e o italiano La Stampa.
Diversos jornais da América Latina destacaram a mudança histórica na ilha caribenha. O argentino Clarín dividiu o topo da página entre a crise de Berlim e uma insólita manchete de quatro frases separadas por ponto-e-vírgula: “CUBA: Batista entregou o governo a uma junta militar e fugiu; Castro continua a luta; Ocupou Santiago e Cienfuegos; Desordem em Havana”. No centro da página, o jornal trouxe uma foto de perfil de Fidel Castro, então jovem, de óculos e de barba rala. O chileno El Mercurio dedicou toda a primeira página à revolução cubana: reaproveitou uma foto antiga dos guerrilheiros e deu a manchete em cinco colunas “O ex-ditador cubano, Fulgencio Batista, buscou refúgio na República Dominicana”. Todos os demais títulos da página eram sobre Cuba.
Na própria ilha, o antigo jornal El Mundo (fechado em 1969) deu, em letras garrafais: “Batista em fuga”, acima de “Fugiu rumo a Santo Domingo”. Abaixo, em duas colunas, uma foto do líder revolucionário encimava um perfil com o título “Fidel Castro: 5 anos de luta”.
Curiosamente, a região vivia na mesma época uma redefinição no setor açucareiro, principal atividade econômica da ilha desde os tempos coloniais.
Sintoma disso, o centenário Diário de Pernambuco não deu absolutamente nada da revolução cubana nem na primeira página nem na contracapa (onde entrava o noticiário internacional nesse período), mas cobriu bem as mudanças no setor açucareiro, base da economia pernambucana. Tampouco saiu na Luta Democrática, o jornal popularesco de Tenório Cavalcanti, caudilho da Baixada Fluminense por décadas. Naquele dia, o jornal trouxe o curioso título “Não é crime fumar maconha”, no pé da primeira página.
O então principal jornal de Cuba, o Diario de la Marina, saiu no dia 1º de janeiro e depois ficou cinco dias sem circular, voltando a ter edição apenas no dia 6, quando noticiou a formação do governo revolucionário já como um fato consumado.
É bom ressaltar que, naquele momento, Fidel Castro e os demais revolucionários ainda não eram comunistas. A adesão de Cuba ao socialismo só começaria em 1961, depois da invasão fracassada na Baía dos Porcos, feita por exilados cubanos e patrocinada pela CIA, e só então a ilha se aproximou da União Soviética.
Créditos:
Texto e Edição: Pedro Aguiar
Fontes:
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