sábado
10 de outubro
1987



Há 35 anos, em setembro de 1987, começou o acidente radioativo com Césio-137, um isótopo altamente radioativo desse elemento, em Goiânia, capital de Goiás. A tragédia se deu após o descarte indevido de um aparelho de radioterapia contendo uma cápsula com 19,26 g da substância no lugar onde funcionava o Instituto Goiano de Radioterapia. Por conter chumbo, material de interesse financeiro, o aparelho foi vendido para um depósito de ferro-velho e depois repassado para outros dois depósitos pelo dono, Devair Ferreira, que também levou partes da substância radioativa para familiares e amigos, aumentando a contaminação.
O Césio-137 tinha a forma de um pó azul brilhante, chamando a atenção de quem encontrou, especialmente crianças, e assim afetou direta ou indiretamente — por contato direto, inalação, ingestão ou irradiação — centenas de pessoas, além de contaminar diversos locais para onde foram levados os fragmentos do aparelho de radioterapia ou do material radioativo. De acordo com uma publicação de 2020 da Secretária de Estado de Saúde de Goiás:
As pessoas que tiveram contato com o material radioativo — contato direto na pele (contaminação externa), inalação, ingestão, absorção por penetração através de lesões da pele (contaminação interna) e irradiação — apresentaram, desde os primeiros dias, náuseas, vômitos, diarreia, tonturas e lesões do tipo queimadura na pele. Algumas delas buscaram assistência médica em hospitais locais até que a esposa do dono do depósito de ferro-velho, suspeitando que aquele material tivesse relação com o mal-estar que se abateu sobre sua família, levou a peça para a Divisão de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde, onde finalmente o material foi identificado como radioativo. Devido às características do acidente de Goiânia, as vias potenciais de exposição da população à radiação foram: inalação de material ressuspenso, ingestão de frutas, verduras e irradiação externa devido ao material depositado no ambiente.
A manipulação e a remoção indevida do aparelho aconteceram no dia 13 de setembro, mas o ocorrido só foi constatado como radioativo cerca de duas semanas depois, no dia 29, quando a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) notificou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Assim começou a “Operação Césio-137”, articulando órgãos do governo como a Defesa Civil, empresas ligadas à energia nuclear, a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás e os Hospitais Naval Marcílio Dias e Geral de Goiânia, além de outras instituições locais, nacionais e internacionais. As principais notícias sobre o acidente começaram a aparecer nas primeiras páginas dos jornais em outubro, um mês após o manuseio inapropriado da fonte da radiação.
No dia 1 de outubro, o jornal O Popular, de Goiânia, deu como manchete “O pânico da radioatividade”, ocupando toda largura da página. Dos jornais analisados, O Popular foi o único a trazer imagens para acompanhar o fato: cinco fotografias organizadas uma ao lado da outra, abaixo do cabeçalho, mostraram pessoas contaminadas e isoladas para triagem no Estádio Olímpico, como informou a legenda. O subtítulo trouxe “Dezessete pessoas já estão hospitalizadas e 40 foram isoladas” e duas colunas de texto, a segunda e a terceira da esquerda para a direita, que falaram sobre o acidente.
A primeira coluna começou repetindo as informações do subtítulo e resumiu o ocorrido, informando sobre a “fonte radioativa” — “uma cápsula de césio, de propriedade do Instituto Goiano de Radioterapia, utilizada no tratamento de câncer” —, da presença de “uma equipe da Comissão Nacional de Energia Nuclear, especializada em radio-proteção” e do local onde a substância foi encontrada, interditado pelo Corpo de Bombeiros. A segunda apresentou duas divisões, primeiro comentando que o governo de Goiás buscava uma forma de evitar o aumento da contaminação e em seguida falando do material radioativo. No final das duas breves colunas, um parêntese indicou que o assunto continuou na página 6 do jornal e, ao fim da página, ao lado direito, uma “caixa” especial trouxe um comunicado oficial da Secretária da Saúde do Estado de Goiás.
No Jornal do Brasil do dia 10 do mesmo mês, a notícia relacionada ao acidente com Césio-137 veio abaixo da dobra, com o título “Sarney manda prender culpados em Goiânia” ocupando cinco colunas, seguido de uma coluna de texto com dois parágrafos à esquerda, em que se falou que “O presidente José Sarney mandou prender os responsáveis pelo acidente com a bomba de césio-137”. O jornal dá ao fato uma abordagem diferente ao não falar diretamente da contaminação, mas sim do mando do presidente, e utilizar o termo “bomba” ao invés de “cápsula” ou “aparelho” que continha a substância radioativa, levando a criação de um imaginário diferente do que aconteceu — a de que uma bomba de césio foi responsável pela contaminação e adoecimento de centenas de pessoas, e não o abandono indevido do aparelho de radioterapia no prédio em que funcionava o Instituto Goiano de Radioterapia. Ao lado, o jornal trouxe uma nota do Governo do Estado de Goiás ocupando três colunas no canto inferior direito da página.
A mesma nota também apareceu n’O Estado de S.Paulo daquele dia, ocupando o mesmo espaço (três colunas) e posição (canto direito abaixo da dobra). Semelhante ao jornal de Goiás, o Estadão também deu como manchete o acidente, com o título “Acidente radioativo de Goiânia, o pior” logo após o cabeçalho, à direita. Ao lado, uma fotografia do Estádio do Morumbi do dia anterior, 9 de outubro, com um anúncio da Coca-Cola sendo feito no gramado, seguida de três colunas de texto sobre o acidente. No Estadão, o termo utilizado também foi “cápsula” e o jornal paulista apresentou o acontecimento como o “mais grave do tipo em todo mundo”, conclusão feita por quatro físicos franceses reunidos por Reali Júnior, correspondente do diário em Paris. A matéria também citou o acidente nuclear em Chernobyl, em abril do ano anterior e, ao fim, trouxe uma fala do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Rex Nazareth, que diz: “os países que dominam a tecnologia nuclear estão exagerando as consequências do acidente”. O assunto também teve continuação no interior do jornal, nas páginas 10 e 11.
Ao todo, 112.800 pessoas foram monitoradas e quatro morreram ainda em outubro, 4 ou 5 semanas após a exposição ao material radioativo — duas devido a complicações da Síndrome Aguda da Radiação (SAR) e outras duas por infecção generalizada. A primeira foi Maria Gabriela, esposa de Devair, dono do ferro-velho, no dia 23, e a segunda, Leide das Neves, de 6 anos, sobrinha de Devair, horas depois no mesmo dia. Durante o enterro, houve protestos de milhares de pessoas temendo que o corpo da criança contaminasse o solo. Ela foi enterrada dias depois, em um caixão de chumbo lacrado para evitar que a radiação se espalhasse pelo local. As outras duas vítimas foram Israel Batista dos Santos, de 20 anos, e Admilson Alves de Souza, de 18, funcionários do ferro-velho. Ao longo dos anos, segundo a Associação das Vítimas do Césio-137, mais de cem pessoas morreriam devido ao acidente ou por motivos relacionados a ele, entre eles o próprio Devair e seu irmão, Ivo, pai de Leide.
O acidente com Césio-137 produziu 3.500 m3 de lixo radioativo, depositados em contêineres que foram enterrados na cidade de Abadia de Goiás, a 23 km de Goiânia, sob uma parede de um metro de espessura de concreto e chumbo. Cinco pessoas foram condenadas por homicídio culposo pela forma como o equipamento que continha o material radioativo foi deixado no local do antigo Instituto Goiano de Radioterapia. Entre elas, quatro eram funcionários do instituto e um era proprietário do prédio abandonado.
Créditos:
Texto: Francielly Barbosa
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Fontes:
CÉSIO 137 Goiânia. Secretária de Estado de Saúde – Governo do Estado de Goiás. c2022. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/cesio137goiania. Acesso em: 9 out. 2022.
FARIA, Adriano; CARVALHO, Jezibel. Dedo de Prosa: Césio-137, tragédia em Goiânia completa 35 anos. Rádio Senado. 2022. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/conexao-senado/2022/09/13/dedo-de-prosa-cesio-137-tragedia-em-goiania-completa-35-anos. Acesso em: 9 out. 2022.
FILHO, William Helal. O que houve com vítimas do acidente com césio 137, em Goiânia, há 35 anos. O Globo. 2022. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/post/2022/09/o-que-houve-com-vitimas-do-acidente-com-cesio-137-em-goiania-ha-35-anos.ghtml. Acesso em: 9 out. 2022.
HISTÓRIA do Césio 137 em Goiânia. Secretária de Estado de Saúde – Governo do Estado de Goiás. 2020. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/cesio137goiania/historia. Acesso em: 9 out. 2022.
MEMÓRIA GLOBO. Acidente Radioativo em Goiânia – Césio 137. O Globo. 2021. Disponível em: https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/acidente-radioativo-em-goiania-cesio-137/noticia/acidente-radioativo-em-goiania-cesio-137.ghtml. Acesso em: 9 out. 2022.
PESSÔA, Júlia. “A gente não vive, vegeta”: vítimas do césio-137 relatam dor 33 anos depois. TAB UOL. 2020. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/09/18/a-gente-nao-vive-vegeta-vitimas-do-cesio-137-relatam-dor-33-anos-depois.htm. Acesso em: 9 out. 2022.
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